Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre Cannabis Sativa para uso próprio

02/07/2024

O que muda na prática?

No último dia 25 de junho, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema 506 da repercussão geral, deu provimento ao Recurso Extraordinário 635659/SP (RE 635659) para declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de modo a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal, ficando mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica.

O STF ainda fixou a seguinte tese:

Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III).

A decisão inclui ainda previsões específicas de repercussões dessa tese:

  • As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta;
  • Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença;
  • Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito;
  • A presunção é relativa e não impede a autoridade policial e seus agentes de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, tais como:
    • a forma de acondicionamento da droga;
    • as circunstâncias da apreensão;
    • a variedade de substâncias apreendidas;
    • a apreensão simultânea de instrumentos como balança;
    • registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes.
  • Em caso de prisão, o Delegado de Polícia deverá consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários;
  • Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio;
  • A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

Se por um lado, a decisão colocou fim a uma longa discussão sobre a quantidade da substância necessária para diferenciar porte e tráfico. Por outro lado, criou, sem processo legislativo, um ilícito administrativo a ser processado pela Justiça Penal.

Isso porque a apreensão, o auto de prisão em flagrante e a submissão do processo ao Juizado Especial Criminal (JECRIM) são medidas penais e processuais penais que deverão ser – de acordo com a decisão do STF – aplicadas a um “ilícito administrativo”.

Ainda, o referido “ilícito administrativo” poderá ganhar relevância penal se, na discricionariedade da autoridade policial e judicial, houver justificativa para adequar a conduta ao crime de tráfico.

Ou seja, a decisão do STF ainda deixa margem para discricionariedade da polícia e do judiciário no afastamento da presunção criada pela quantidade de cannabis sativa.

Na prática, a decisão acabou por criar um “ilícito administrativo” sem previsão legal – pois a previsão do artigo 28 é de crime – sujeito a atos processuais tipicamente penais. A situação é ainda mais complexa pois a presunção estabelecida pelo STF é restrita à cannabis sativa. Isto é, uma mesma conduta, se enquadrada na descrição do artigo 28 da Lei 11.343/2006 pode variar entre ilícito administrativo e ilícito penal, a depender da espécie de droga envolvida.

Compartilhar

Últimas notícias

25/11/2024
Juristas divergem sobre papel de Moraes em investigação de golpe | CNN Brasil CNN Brasil ouviu […]
Este site utiliza cookies para melhorar sua experiência. Ao utilizar este site você concorda com nossa Política de Privacidade.
LEIA MAIS