Em 08 de agosto de 2025, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que juízes podem consultar perfis públicos de redes sociais de investigados e utilizar essas informações como fundamento para decretar prisão preventiva ou outras medidas cautelares[1].
Segundo o colegiado, essa prática não viola o sistema acusatório nem compromete a imparcialidade do magistrado, desde que observados os limites legais.
O caso teve origem em uma exceção de suspeição apresentada contra um juiz que, ao analisar pedido do Ministério Público, acessou diretamente as redes sociais do réu para verificar dados citados na denúncia. A defesa opôs exceção de suspeição contra o magistrado por violação ao artigo 3º-A do Código de Processo Penal (CPP).
De acordo com a defesa do investigado, a conduta do juiz representaria coleta de provas, atividade atribuída exclusivamente às partes, portanto atentatória ao modelo acusatório adotado pelo processo penal brasileiro. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) indeferiu o pedido e a defesa levou a questão ao STJ.
O relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, afastou qualquer ilegalidade na atuação do juiz. Para ele, a consulta se enquadra no exercício do livre convencimento motivado, constituindo diligência suplementar legítima, pois realizada com base em informações de acesso público. Em seu voto, o ministro destacou que a medida representa economia processual, já que o magistrado pode determinar diligências e, em determinadas situações, realizá-las pessoalmente.
Essa interpretação estaria também em sintonia com precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, que reconhecem ao juiz, mesmo no modelo acusatório, a possibilidade de adotar medidas de ofício para esclarecer pontos relevantes do processo.
Para Paciornik, a atuação foi diligente e cuidadosa, não havendo prejuízo à defesa. Os demais ministros acompanharam o relator e a Turma negou provimento ao recurso, consolidando o entendimento de que a consulta a redes sociais, quando limitada a dados públicos, pode ser considerada uma ferramenta legítima de apoio à atividade jurisdicional.
A decisão do STJ traz consigo um ponto central de reflexão: quais são os limites para essas “pesquisas diligentes” em fontes públicas realizadas por magistrados?
As pesquisas feitas pelo magistrado devem se restringir apenas à verificação das informações já apresentadas na denúncia ou podem incluir informações adicionais? A pergunta é relevante, pois cabe à acusação comprovar, de forma robusta, todos os elementos que sustentam sua narrativa.
Outro aspecto relevante é a definição do escopo dessas “fontes públicas”: seria restrito a redes sociais abertas ou também de bancos de dados que, embora disponíveis a magistrados, não sejam de acesso geral à população?
Além disso, a decisão dá margem a uma discussão processual: os resultados dessas pesquisas devem obrigatoriamente ser juntados aos autos para garantir o contraditório e a ampla defesa? Em caso positivo, como lidar com situações em que a defesa demonstre, por exemplo, que determinado perfil de rede social que foi utilizado pelo juiz para fundamentar a imposição de uma medida cautelar (ou ainda a rigidez dessa medida) é um perfil falso ou que não pertence ao investigado?
Essas indagações evidenciam que, embora a decisão do STJ legitime a prática, ainda restam importantes debates sobre a extensão, os limites e os mecanismos de controle dessa atuação judicial.
[1] O número do caso não foi divulgado por se tratar de processo em segredo de justiça.